Compliance ganha força nas empresas
- por Carlos Alberto Pacheco
- 16 de out. de 2015
- 6 min de leitura

Lei Anticorrupção e a Operação Lava-Jato despertam a necessidade de organizações adotarem rígidos sistemas de controles internos.
O escândalo de corrupção na Petrobras, considerado por analistas políticos como o maior de todos na história recente do Brasil, acendeu a luz vermelha em relação à lisura dos procedimentos internos. A denúncia em escalada do envolvimento de executivos da estatal serviu de alerta para a má conduta de pessoas que deveriam, em tese, cuidar da boa gestão dos negócios de uma empresa. Mas, como impedir o desvio de conduta? “A saída é melhorar a área de compliance”, diz o advogado Giovani Agostini Saavedra. Especialista na matéria, ele chama a atenção para a necessidade das empresas fortalecerem seus departamentos de compliance, sobretudo adequando-se à Lei 12.846/2013, a chamada Lei Anticorrupção ou Lei da Empresa Limpa, que está em vigor desde janeiro de 2014.

Durante seminário sobre o tema realizado pela Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg), em maio último, ele advertiu as organizações para que fiquem muito atentas aos erros cometidos no âmbito interno, evitando o ilícito. A Lei Anticorrupção modificou a Lei de Lavagem de Dinheiro. Com isso, segundo o advogado, empresas e instituições financeiras atuantes no mercado brasileiro ou as suas filiais no exterior “terão de desenvolver programas de prevenção à corrupção e à lavagem de dinheiro para limitar a exposição aos riscos de responsabilização de seus gestores ou diretores”.
Desde a vigência da lei, muitas empresas vêm adotando padrões de conduta, códigos de ética, políticas e procedimentos relativos à integridade, aplicáveis a todos os funcionários e administradores, independentemente do cargo ou função exercidos. Segundo estudos internacionais, cada US$1 gasto em compliance resulta na economia de US$ 5 em custos com processos legais, danos à reputação e perda de produtividade. No âmbito do mercado de seguros, Saavedra confirma que, há muito tempo, o compliance é uma realidade dentro das seguradoras. Porém, até 2013, o foco principal desse programa era a prevenção à lavagem de dinheiro.
Segundo ele, a partir daquele ano, surgiram novos desafios, como, por exemplo, a própria Lei Anticorrupção, que tem estimulado o aumento de capacitação e o preparo do profissional de compliance. A atividade de compliance compreende quatro pilares fundamentais: controles internos, prevenção à lavagem de dinheiro, auditoria interna e governança corporativa. Ivy Cassa, advogada da Petraroli Associados, destaca a necessidade de implantação de programas de conduta efetivos com a expectativa sobre os padrões de ética e valores da empresa.

Segundo ela, os programas devem contemplar desde treinamentos até exemplos aos colaboradores de como agir em situações críticas, entre outros. “As seguradoras, por exemplo, devem garantir que os fornecedores da sua cadeia pautem-se por valores semelhantes aos seus”, opina a advogada. Para Ivy, de nada adianta a companhia desenvolver internamente uma cultura de não pagamento de propina a funcionário público para participar de uma licitação, por exemplo, “se um profissional que intermedeia seus negócios nessa mesma licitação se pauta por outros valores e usa essa prática para vencer essa licitação”.
Em sua análise, quanto mais transparente for a operação, e quanto mais a empresa deixar claro que tomou todos os cuidados para que aquele crime não ocorresse, menor será o seu risco de ser responsabilizada por tal conduta. Saavedra concorda e destaca que atos de corrupção são altamente danosos à administração pública e à esfera privada, obrigando à criação de uma nova consciência. “Quanto mais investigações e processos penais são iniciados, tanto mais cresce o número de empresas interessadas em criar programas de compliance”, argumenta.
A Operação Lava-Jato já trouxe reflexos às relações entre empresas e fornecedores no mercado de seguros. O tema foi analisado em reunião do Reunião do Grupo Nacional de Trabalho (GNT) Responsabilidade Civil e Seguro da Associação Internacional de Direito do Seguro (AIDA), em agosto último. O vice-presidente da entidade, Sergio Barroso de Mello, relator da matéria, constatou que, num primeiro momento, houve uma mudança importante nas relações entre empresas e fornecedores – sobretudo com os terceirizados – após a entrada em vigor da Lei Anticorrupção.
Ele enfatizou ter se tornado comum a exigência de certificado de boas práticas empresariais, antes da celebração de contratos, justamente para se evitar problemas judiciais futuros. Mello destacou que o objetivo é “reduzir o risco de contratação de empresas e pessoas que não respeitam leis de forma geral ou que tenham condutas e reputações inadequadas no setor empresarial”.
Avanço da ética

A sétima edição da Conferência Brasileira de Seguros, Resseguros, Previdência Privada e Capitalização (Conseguro), promovida recentemente pela CNseg, reservou um painel específico para o tema, durante o Seminário de Controles Internos & Compliance, evento integrado. O consultor Wagner Giovanini, da Compliance Total, teceu considerações a respeito da excelência da atividade na prática. Na formulação de um programa de compliance, ele ressaltou a importância da interação com os demais departamentos da empresa e afirmou que é possível criar relações integradas entre todos, para que as melhores práticas em termos éticos sejam definitivamente instaladas.
O consultor crê no importante avanço de padrões éticos na história recente do país, sobretudo nos últimos vinte anos. Giovanni citou a Lei Anticorrupção e a Operação Lava-Jato como exemplos, além de movimentos sociais que criaram uma espécie de consciência coletiva. Essa mesma consciência, em sua opinião, obriga as empresas a amadurecerem de uma maneira mais célere.
Giovanni desmistificou a existência do chamado “controle blindado”. E recomendou: “As pessoas precisam estar convencidas de que devem fazer o que é certo, mesmo sem ter leis que a obriguem a isso”. Agindo assim, funcionários de uma empresa desestimulam atitudes mal-intencionadas, garantindo uma regularidade de boas ações. De acordo com ele, a cultura corporativa brasileira apresenta um nível básico de compliance. Mas, coragem e engajamento podem mitigar os riscos de surgirem pessoas que podem perpetrar o caos no âmbito empresarial.
Efeito colateral positivo

Na análise de Saavedra, “tanto o Mensalão (Ação Penal 470) como a Operação Lava-Jato, bem como a recente investigação da Máfia das Próteses, tiveram e têm um papel fundamental na difusão do compliance no Brasil”. O advogado entende que tais investigações chamam a atenção para as consequências negativas de não se estar em conformidade com a lei e, mais do que isso, “demonstram que a era da impunidade está com seus dias contados”. Ele crê no sucesso de tais investigações, pois determinam um “efeito colateral positivo”, ao difundirem a ética empresarial comprometida com a implementação do compliance.
O presidente da Comissão de Controles Internos da CNseg, Assízio de Oliveira, credita à Lava-Jato o mérito de mostrar às empresas a necessidade de ser aderente, não só a regras e regulamentos, mas à política corporativa, ao respeitar princípios éticos. A atividade de compliance deve ser visto como “elemento agregador nesse contexto”. Ele comenta: “Pessoas que ocupavam cargos de alto escalão na Petrobras não incorporaram o espírito de aderência às regras”. Na ótica de Assízio, vilipendiar a ética é um fato profundamente lamentável. “Uma crise de valores pode desencadear a crise econômica”, reforça.
Prescrição criminal no D&O
Em uma das últimas reuniões do GNT de Responsabilidade Civil e Seguro da AIDA, Sergio Mello relatou um recente episódio de anulação de processo no Judiciário. O banqueiro, ex-dono do Banco Santos, teve a condenação anulada pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que julga os recursos da Justiça federal em São Paulo. Ele foi condenado, em 2006, a 21 anos de prisão por gestão fraudulenta de instituição financeira, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e formação de quadrilha. Isso possibilitou o processo voltar ao seu início e, assim, a prescrição penal dos supostos crimes cometidos.

Na avaliação do vice-presidente da AIDA, o fato é bastante comum nas bancas criminais. A estratégia é anular todo o processo, após longos anos de tramitação. Essa manobra leva à absolvição dos clientes pela prescrição da ação penal. “Esta, aliás, deve ser a estratégia da maioria dos advogados na denominada operação Lava-Jato”, ressalta. Mello explica que, no campo do seguro de Responsabilidade Civil, especialmente na modalidade D&O, a prescrição criminal produz a absolvição do segurado e “a obrigação do segurador de pagar todos os custos de defesa, em geral bastante significativos ao final do processo”.
Em função do impacto relevante na apólice de seguro D&O e no respectivo resseguro, segundo o advogado, já se observa uma tendência de exclusão de riscos relativos a fraudes e a atos de corrupção, “ou mesmo a inserção de sublimite econômico, para evitar desequilíbrio contratual com perdas não planejadas originalmente e, sobretudo, a necessidade de composição de reservas por longos períodos, já que tais processos criminais levam anos de tramitação”. Mello esclarece: “O D&O não é e nunca será ferramenta incentivadora de atos de corrupção, ao contrário, sua função é unicamente a proteção patrimonial contra efeitos decorrentes de erros de má gestão”.