Setor de saúde suplementar cresceu no pós-pandemia e já cobre mais de 50 milhões de brasileiros, mas registrou o pior resultado desde 2001 e consequências atingem os beneficiários
Christianne Piola, Executiva com mais de 15 anos de experiência no mercado de seguros. Formada em Administração, possui MBA em Marketing e diversos cursos de especialização e gestão. É membro da Sou Segura, associação que reúne executivas do setor.
Três anos após o início e decretado o fim da pandemia, o setor de saúde passa por uma séria crise. A dificuldade entre as empresas do setor é generalizada, envolvendo operadoras, hospitais e laboratórios. De janeiro a setembro de 2022, as operadoras tiveram prejuízo líquido de quase R$ 3 bilhões. O que está por trás destas dificuldades é um enorme aumento de custos assistenciais, algo que foi exacerbado pela pandemia. Estudo patrocinado pela Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde) e pelo Instituto Brasileiro das Organizações Sociais de Saúde (Ibross) revelou quebra estrutural na tendência de longo prazo dos custos de medicamentos e materiais médico-hospitalares em decorrência do coronavírus. Em março de 2022, quando o estudo foi concluído, essa alta, que chegou a máximas muito mais elevadas, ainda variava de 30% a 41% quando comparada a fevereiro de 2020, mês imediatamente anterior à chegada oficialmente da Covid no Brasil.
As operadoras também têm sido pressionadas pelo aumento da demanda de atendimento, com a retomada de procedimentos eletivos que ficaram represados na pandemia – muitos casos chegam aos hospitais já agravados e assim demandam tratamentos mais caros. A tendência de encarecimento dos custos completa-se com o envelhecimento populacional.
Desde o início da pandemia, a saúde suplementar tem mantido tendência consistente de aumento do número de beneficiários. Em 2022 alcançou 50,5 milhões de usuários nos planos médico-hospitalares, patamar mais alto desde 2014 e bem próximo do recorde histórico. Demonstração clara da importância que os brasileiros dão aos planos de saúde. No entanto, as receitas com as mensalidades não têm sido mais suficientes para bancar as despesas assistenciais. Já são seis trimestres consecutivos de prejuízos operacionais, o que equivale a dizer que, desde abril de 2021, o negócio plano de saúde não consegue se pagar. Apenas em 2022, até setembro, o rombo chega a R$ 11 bilhões. Além disso, no terceiro trimestre a sinistralidade dos planos assistenciais chegou a 93,2%. Trata-se de percentual inédito desde que o setor passou a ser regulado no país, 24 anos atrás.
Esse cenário impacta todos os agentes da cadeia, chegando até os beneficiários. Vemos usuários de planos sendo descredenciados de redes e o aumento da burocracia para ter atendimento. O índice de reclamações contra as operadoras dobrou entre 2019 e 2023.
A crise no setor de saúde levou operadoras de planos de saúde, hospitais e laboratórios, que sempre travaram queda de braço com interesses distintos, a unir forças para garantir receita e compartilhar riscos. Os grupos se esforçam para reorganizar a casa no momento em que enfrentam a crise pós-pandemia, promovendo o acesso à saúde de qualidade a cada vez mais brasileiros.
As empresas estão olhando para toda a cadeia de saúde suplementar, buscando formas de promover a sustentabilidade de todo o setor, gerando maior eficiência e evitando fraudes e desperdícios que impactam os beneficiários como um todo. As operadoras também têm focado nos corretores, na apresentação e oferta de novas maneiras de solucionar as demandas desses consumidores, que confiam e contam com os serviços.
Para promover sustentabilidade e controle de sinistro, tem sido valioso o investimento em tecnologia focada em promover o acesso à saúde suplementar e melhor qualidade de vida, incluindo cuidado coordenado (medicina preventiva) e telemedicina. O mercado também está investindo em planos regionalizados com melhor custo-benefício que promovem maior acesso à saúde, e parceria com hospitais e laboratórios de cada região. Produtos mais simples, como com coparticipação e sem reembolso, estão sendo interessantes para operadoras e usuários equalizarem as contas.
No princípio do mutualismo, é importante os beneficiários entenderem o quanto o uso indevido do plano de saúde afeta toda a carteira, o que pode acabar pesando mais no bolso do cliente. As fraudes são as mais diversas, praticadas muitas vezes inconscientemente por usuários e até mesmo por médicos e clínicas, que oferecem exames em suas dependências ou reembolso além do devido. Por isso, empresas e entidades do setor estão se unindo em campanhas de conscientização, como o movimento “Todos por Todos Com Muita Saúde”, idealizado pela Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) e associadas (todosportodosoficial.com.br) e a campanha “Saúde sem fraude”, lançada pela FenaSaúde com o propósito de informar e orientar sobre as boas práticas e o uso adequado dos planos de saúde (saudesemfraude.com.br).
A Federação listou 10 dicas para bom uso do plano de saúde: Não compartilhar login e senha do plano de saúde com terceiros; Não emprestar a carteirinha; Não solicitar nem aceitar o fracionamento de recibos; Não aceitar propostas de reembolso sem que tenha que desembolsar pelo atendimento; Não aceitar oferta de procedimentos estéticos pagos pelos planos de saúde; Conferir se as guias dos planos de saúde informam corretamente os procedimentos realizados; Usar o pronto socorro apenas no caso de urgências e emergências; Usar a telessaúde como aliada para casos de baixa complexidade; Procurar preferencialmente a rede credenciada ou estabelecimentos de saúde de confiança; e Informar ao médico sobre exames realizados recentemente, evitando repetições desnecessárias.
O aumento das fraudes tem feito as operadoras investirem em proteção e fiscalização, com isso a liberação de pagamentos torna-se mais exigente e as recusas crescem. Com o prejuízo causado, as operadoras deixam de investir em equipamentos e melhorias, o que reflete em perda de qualidade na assistência.
A crise chegou a níveis insustentáveis, mas pode trazer importante conscientização e novas perspectivas. Afinal, é nos momentos de turbulência que saem as melhores ideias e inovações, enquanto o mercado está calmo as empresas tendem a se acomodar. É a hora de empresas, corretores e clientes se unirem para salvar o seguro mais aspiracional entre os brasileiros.
Fonte: Thaís Ruco
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